— Áquila, muita vez, na solidão do nosso trabalho, tenho pensado na
enormidade do mal que te causou o doutor de Tarso. Que farias se um dia te
visses repentinamente em face do verdugo?
— Procuraria estimar nele um irmão.
— E tu, Prisca? — perguntou à mulher que o fixava curiosa.
— Seria ótima ocasião para testemunhar o amor que Jesus exemplificou
em suas lições divinas.
O ex-doutor da Lei recobrou a serenidade e, alteando a voz, exclamou
convictamente:
– Sempre considerei que um homem, chamado a administrar, responde por
todos os erros de seus prepostos, no que toca ao plano geral dos serviços.
Portanto, no meu modo de pensar, não culparei tanto, a Jochaí que se arvorou em criminoso vulgar, abusando de uma prerrogativa que lhe foi conferida para execução de tantas vinganças torpes.
— A quem imputarias, então, o assassínio de meu pai? — perguntou Áquila
impressionado, enquanto o amigo fazia ligeira pausa.
— Julgo que Saulo de Tarso deveria responder pelo processo. Ë verdade
que ele não autorizou o feito cruel, mas, tornou-se culpado pela indiferença
pessoal, quanto aos detalhes da tarefa que competia ao seu tirocínio.
Os cônjuges entraram a meditar no motivo de tais perguntas, enquanto o
moço se calava, retraído.
Por fim, com voz humilde e comovedora, recomeçou a falar:
— Meus amigos, sob a inspiração do Senhor, é justo confessarmo-nos uns
aos outros.
Minhas mãos calejadas no trabalho, meu esforço por bem aprender as
virtudes da fé, que ambos têm exemplificado a meus olhos, devem ser um
atestado da minha renovação espiritual. Sou Saulo de Tarso, o sanhoso
perseguidor, transformado em servo penitente. Se muito errei, hoje muito
necessito. Na sua misericórdia, Jesus rasgou a túnica miserável das minhas
ilusões. Os sofrimentos regeneradores chegaram-me ao coração, lavando-o
com lágrimas dolorosas. Perdi tudo que significava honrarias e valores do
mundo, por tomar a cruz salvadora e seguir o Mestre na trilha da redenção
espiritual. Ë verdade que ainda não pude abraçar-me ao madeiro das lutas
construtivas e santificantes, mas persevero no esforço de negar-me a mim
mesmo, desprezando o passado de iniqüidades para merecer a cruz da minha ascese para Deus.
Áquila e a mulher contemplavam-no com assombro. Não duvideis da
minha palavra — continuou de olhos úmidos. — Assumo a responsabilidade
dos meus tristes feitos. Perdoem-me, porém, levando em conta a minha
ignorância criminosa!…
O tecelão e a esposa compreenderam que as lágrimas lhe sufocavam a
voz. Como que tolhido por singular emoção, Saulo começou a chorar
convulsivamente. Áquila aproximou-se e abraçou-o.
Do livro Paulo e Estevão
Segunda parte, capítulo 2 – O tecelão
Chico Xavier pelo espírito Emmanuel